Crimes ambientais e lavagem de dinheiro
A Amazônia é um dos pilares mais estratégicos do debate global sobre mudanças climáticas. Ainda assim, multiplicam-se notícias alarmantes sobre a destruição do bioma – quase sempre associada a algum tipo de atividade ilícita. Estimativas indicam que 40% da madeira extraída na região apresenta indícios de irregularidade (Instituto Igarapé) e que 30% do ouro produzido no Brasil em 2021 é potencialmente ilegal (Boletim do Ouro/UFMG).
A lógica é conhecida: altíssima lucratividade, baixo risco e fiscalização difícil. Segundo estudo do Instituto Igarapé, um em cada cinco inquéritos da Polícia Federal sobre crimes ambientais apresenta conexão direta com lavagem de dinheiro, evidência de que a destruição da floresta é sustentada por fluxos financeiros estruturados. No plano global, o Banco Mundial estima que o impacto econômico total dos delitos ambientais pode alcançar US$ 1 trilhão por ano, revelando a escala financeira desse ecossistema de ilegalidade.
A questão: como prevenir ou reprimir essas práticas? Em estudo lançado pelo Instituto Esfera na COP de 2025, a subscritora desse artigo apontou que a imensidão da Amazônia — cerca de 4 milhões de quilômetros quadrados — torna inviável estratégias de fiscalização in loco. É preciso abordar o outro lado da cadeia do crime: asfixiar financeiramente quem lucra com a destruição da floresta, rastrear fluxos financeiros e congelar seus ativos. Enfim, focar na lavagem de dinheiro, nas táticas de inserir o dinheiro sujo na economia formal, como forma de financiar novas atividades criminosas.
Uma das formas de dificultar a lavagem de dinheiro é impor obrigações de cooperação aos profissionais que atuam nos setores sensíveis, como o ambiental, e exigir deles que conheçam seus clientes e comuniquem atos suspeitos às autoridades públicas. Isso já acontece com instituições financeiras, operadores de criptomoedas, leiloeiros de arte, corretores de imóveis, entre outros. É preciso expandir essas exigências àqueles que recebem as matérias extraídas da floresta, como madeira e ouro, de forma mais ampla.
No caso do ouro ilegal, algumas medidas já foram tomadas. O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a presunção de boa-fé na primeira venda do ouro, pela qual uma simples declaração do vendedor de que o material tinha origem lícita já era o suficiente para atestar sua legalidade; o Banco Central passou a analisar operações suspeitas; criou-se a nota fiscal eletrônica; e tramitam no Congresso projetos voltados ao aumento da rastreabilidade do metal. O objetivo é identificar a origem e o destino do ouro, aqueles que lucraram com sua venda e permitir o rastreamento de eventuais recursos ilícitos.
No caso da madeira ilegal, avanços são necessários. Os agentes do setor, como serrarias e exportadoras, não têm obrigações específicas de prevenção à lavagem de dinheiro, embora desempenhem papel crucial na cadeia de produção e venda. A pecuária também carece de controles compulsórios. Os operadores financeiros que operam no setor não se submetem a regras específicas para acompanhar transações dessa natureza.
Num cenário global em que rastreabilidade e integridade tornaram-se pré-requisitos para acessar mercados sofisticados, a prevenção à lavagem de dinheiro aplicada aos ativos ambientais não é apenas uma ferramenta de segurança pública, mas também um motor de inovação econômica. Países capazes de demonstrar a origem lícita de seus produtos, suas cadeias transparentes e seus controles robustos ocupam posição privilegiada nas economias verde e digital, são beneficiados com selos de qualidade e ganham preferência no comércio.
O Brasil reúne condições únicas para assumir a liderança dessa agenda. Não apenas porque abriga a maior floresta tropical do planeta, mas porque dispõe de capacidade tecnológica, amadurecimento institucional e uma comunidade empresarial cada vez mais comprometida com padrões ESG (Environmental, Social, and Governance, na sigla em inglês), com a inserção qualificada nos mercados internacionais, possibilitando a conversão de integridade financeira em vantagem competitiva.
E há algo maior em jogo. A introdução de mecanismos inteligentes de prevenção à lavagem nas cadeias da madeira, do ouro e da pecuária não apenas fortalece o ambiente de negócios: reposiciona o Brasil como referência internacional de inovação ambiental, governança e economia limpa. Num momento de transição energética e de demanda crescente por produtos rastreáveis, o País tem a chance de transformar o combate ao crime ambiental em vetor de desenvolvimento, confiança e investimento.
A Amazônia é parte essencial da nossa identidade — e do nosso futuro econômico.
Preservá-la exige visão de país: integração entre segurança pública, inteligência financeira, tecnologia e governança empresarial. Seguir o dinheiro deixa de ser apenas uma técnica investigativa; transforma-se em uma agenda de inovação, liderança e visão de futuro – uma agenda que pode recolocar o Brasil no centro da economia verde.
Autores: Pierpaolo Cruz Bottini e Marina Brecht
Fonte: https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/crimes-ambientais-e-lavagem-de-dinheiro
