Propostas Para Uma Legislação De Melhor Qualidade

Introdução

Anualmente, o Congresso Nacional brasileiro aprova uma quantidade relevante de novas leis, quantidade considerada, por muitos, excessiva (COSTA 2020). Na Legislatura de 2021, foram aprovadas 246 propostas no Plenário, 408 aprovadas em Comissões, e 604 aprovadas na Câmara (COSTA, 2020). Em entrevista, o então Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que “a Casa cumpriu seu papel, que é atender as demandas da população brasileira”. Resta indagar: cumpriu mesmo?

Sabemos que, conforme acordado em nosso pacto federativo, o poder emana do povo e é exercido por representantes eleitos ou diretamente, vontade que é canalizada pelo Poder Legislativo, por meio do processo legislativo previsto na Constituição Federal. Este processo de elaboração das leis se legitima na medida em que observa as normas constitucionais previstas, especialmente aquelas nos artigos 59 e seguintes, assim como certos princípios explícitos e implícitos constantes do art. 5º, garantidores dos direitos fundamentais, tais como da legalidade, da eficiência, do devido processo legal, da publicidade e da motivação.

No presente trabalho, tentaremos analisar em que medida o processo de elaboração das leis no Brasil atende aos padrões internacionais de uma boa produção legislativa e se, de fato, é veículo de representação da vontade popular, permitindo participação durante o processo, através da apresentação das razões e justificativas de forma clara e compreensível, evidenciando a real motivação para elaboração de novas normas jurídicas e, assim, atendendo ao princípio constitucional do devido processo legislativo.

Buscaremos, ainda, apresentar algumas ferramentas capazes de possibilitar melhoria na elaboração legislativa, com maior transparência no processo, possibilitando, em última análise, o pleno exercício do controle social pelo voto, respeitando o cidadão em sua plena dignidade, visto que, como Barcellos (2017, p. 92) destaca:

As pessoas, todas elas e cada uma delas, são dotadas de dignidade e devem ser tratadas com respeito. Esse é um axioma filosófico e jurídico que dispensa maiores demonstrações e foi consagrado pela Constituição de 1988. […]. Pois bem: receber justificativas relativamente aos atos que nos afetam é um dos conteúdos essenciais do respeito a que cada indivíduo faz jus em decorrência de sua dignidade essencial como ser humano.

Dentre as novas ferramentas disponíveis, merecerá destaque a análise de impacto legislativo, que já vem sendo utilizada em outros ordenamentos jurídicos, em diversos países da comunidade europeia, como instrumentos de melhoria na produção legislativa.

 

Direito fundamental ao devido processo legislativo

A ideia do devido processo legislativo encontra fundamento na própria cláusula do devido processo legal, consagrada nos incisos LIV e LV do art. 5º do texto constitucional de 1988, refletindo a vontade de incorporar, no ordenamento jurídico brasileiro, um princípio legal garantidor da ampla defesa, do contraditório, além de uma gama de outras garantias decorrentes da processualidade, do acesso à justiça, do julgamento justo, da segurança jurídica e da dignidade humana, a contribuir para a paz social.

Com origem na expressão inglesa due process of law, traduzida em sua literalidade para “devido processo legal”, a cláusula pode ser conceituada como o conjunto de garantias expressamente previstas na Constituição, ou por ela reconhecidas como necessárias para integrar a pessoa interessada no processo de decisão, pública ou privada, que diga respeito a sua liberdade ou aos seus bens ou a qualquer interferência arbitrária nos seus direitos da personalidade (CINTRA et al. 2009, p. 324).

De fato, ao ser acolhida a cláusula do devido processo legal na ordem jurídica brasileira ganhamos novo impulso rumo à democracia. Presente nos sistemas da common law e, em muitos sistemas civilistas, o devido processo legal foi expressamente consagrado no art. 6(1) da CEDH, assim como no art. 8º da Convenção Americana de Direitos do Homem 1966, abrindo caminho para uma nova dimensão de justiça.

Uma vez consagrada constitucionalmente, a cláusula do devido processo legal não pode ter sua potencialidade minimizada apenas à garantia da ampla defesa e contraditório no âmbito administrativo e processual, devendo extrair-se todo seu potencial, inclusive para alcançar os atos emanados do Poder Legislativo.

Nesta linha, e em sintonia com o princípio da separação e harmonia entre os poderes, cabe ao Poder Judiciário exercer o controle do processo legislativo, “declarando a inconstitucionalidade dos atos normativos que desrespeitem os trâmites de aprovação previstos na Carta. Longe de configurar indevida intervenção no Poder Legislativo, ao Judiciário cabe o controle do devido processo legislativo, contribuindo para a saúde democrática da comunidade e para a consolidação de um Estado Democrático de Direito em que as normas são frutos de verdadeira discussão, e não produto de troca entre partidos e poderes” (CLÈVE 2010, p. 178-180).

Na qualidade de guardião da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal asseverou, em voto proferido pela E. Min. Rosa Weber, que o devido processo legislativo constitui um direito fundamental difuso, “o direito que têm todos os cidadãos de não sofrer interferência, na sua esfera privada de interesses, senão mediante normas jurídicas produzidas em conformidade com o procedimento constitucionalmente determinado”.

Além do “procedimento constitucionalmente determinado”, o princípio do devido processo legislativo é também informado pelos demais princípios constitucionais, conforme expressamente destacado pela E. Min. Cármen Lúcia, ao afirmar que “inclui-se no devido processo legislativo a observância, ao longo do procedimento de elaboração da Emenda constitucional, dos princípios da moralidade e probidade”.

 

Fase inicial do processo legislativo

O devido processo legislativo, definido como “um procedimento juridicamente ordenado” (NAGATA, 2019, p. 91), deve, durante todo seu trâmite, observar os dispositivos expressamente previstos no texto constitucional, a começar pelo art. 59 que elenca o rol que inclui a elaboração de emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; resoluções.

O processo de produção legislativa é composto por diversas fases, desde a iniciativa, aprovação, votação, sanção, promulgação e publicação, conforme previsão expressa no texto constitucional. A exemplo da lei ordinária (AMARAL, 2022, p. 200), ato legislativo típico, para a qual, na lição de Manuel Gonçalves, “[na] sua formação, concorrem várias vontades ao longo de três fases: (i) uma fase introdutória, a iniciativa; (ii) uma fase constitutiva, a deliberação e a sanção (com ou sem veto parcial) ou veto total; e (iii) uma fase complementar, a promulgação e a publicação (FERREIRA 2012).

A partir do momento que o projeto de lei é apresentado, inicia-se sua tramitação e instrução pelas comissões permanentes e temporárias, conforme disposições constantes dos respectivos regimentos internos das casas legislativas, como bem esclarece José Levy Amaral Junior (2012, p. 200):

Apresentado o projeto de lei, começa ele a tramitar, abrindo-se a fase constitutiva do processo legislativo. Implícita a ela há uma subfase instrutória, perante as comissões, o que, em geral, envolve a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, na Câmara dos Deputados, e a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, no Senado Federal, bem assim outras comissões tematicamente afins a proposição. Então, tipicamente, o projeto chega ao Plenário da Casa para deliberação. …Na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, o projeto de lei ordinária pode ser votado quando presente a maioria absoluta dos respectivos membros. […]. O PL é considerado aprovado pela comparação entre votos “sim” e “não”, lógico, devendo haver mais votos favoráveis do que contrários.

Em cumprimento ao parágrafo único do art. 59, sobreveio a Lei Complementar 95/98, tratando da elaboração, redação, alteração das leis, dispondo especificamente sobre as técnicas de redação dos textos da ementa, do preâmbulo, dos respectivos artigos e numeração, bem como a divisão em parágrafos e incisos, agrupamento em livros, títulos, capítulos, seções e subseções, tratando, ainda, da consolidação e codificação das leis.

Note-se que o art. 7º, I e II da LC 95/98 veda inserção em lei de matéria estranha ao seu objeto, ou este não vincula por afinidade, pertinência ou conexão. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que tal inserção estranha ao objeto da lei caracterizaria afronta ao devido processo legislativo, qualificado como “contrabando legislativo”, ou seja, a inserção de emenda parlamentar em projeto de conversão de medida provisória em lei versando sobre objeto absolutamente distinto daqueles originalmente veiculados no texto apresentado à conversão, “procedimento marcantemente antidemocrático, na medida em que, intencionalmente ou não, subtrai do debate público e do ambiente deliberativo próprios ao rito ordinário dos trabalhos legislativos a discussão sobre as normas que irão regular a vida em sociedade”.

Somente no Decreto 9.191/2017, regulamentando a referida Lei Complementar 95/98, vemos a determinação no sentido de encaminhamento das propostas por meio de Exposição de Motivos do titular do órgão proponente, justificando e fundamentando, de forma clara e objetiva, a edição do ato normativo, com a síntese do problema cuja proposição do ato normativo visa a solucionar; a justificativa para a edição do ato normativo na forma proposta; e a identificação dos atingidos pela norma.

Ainda de acordo com o referido Decreto, a Exposição de Motivos deve mencionar se a proposta de ato normativo gerará despesas, diretas ou indiretas, ou diminuirá a receita para o ente público. No caso de proposta de medida provisória, deve-se demonstrar objetivamente a relevância e a urgência; devendo ser assinada pelo Ministro de Estado proponente.

Não obstante o fato de o Decreto 9.191/17 determinar que os projetos de lei de iniciativa do Presidente da República devam vir acompanhados das razões do encaminhamento do projeto, que devem constar de sua Exposição de Motivos, a maioria das proposições não vem acompanhada de justificativas ou exposição de motivos, afrontando o devido processo legislativo (SILVA, 2018). Para Barcellos (2017, p. 74), “o conteúdo essencial desse due process, que será detalhado e aprofundado adiante, envolve o dever do proponente da norma de apresentar, de forma pública, as razões pelas quais considera que a tal norma deve ser editada e as informações que as fundamentam”.

 

Exposição de motivos e justificativa nos Regimentos Internos

A tramitação dos projetos de lei é regulada pelos respectivos regimentos internos das Casas Legislativas. Tratando-se de uma “proposição” de iniciativa de Deputado, a matéria é sujeita à deliberação da Câmara dos Deputados, nos termos do art. 100 do seu Regimento Interno, que apenas exige uma redação clara e com termos explícitos e concisos. O art. 103 do Regimento Interno apenas faculta a exposição da justificativa, que poderá constar do texto da proposição – ou não.

Diversamente, no Senado Federal, vê-se no seu Regimento Interno a obrigatoriedade da justificativa, ainda que oral, para proposições, devendo ser escritas em termos concisos e claros e observando a boa técnica de redação, nos moldes do art. 236.

Evidentemente, a apresentação da Exposição de Motivos ou da Justificativa implicaria em maior ônus argumentativo para o proponente da norma, que deveria apresentar as suas razões para encaminhar a proposição, ou seja, a motivação das proposições legislativas.

A omissão da obrigação de fundamentar ou justificar as proposições legislativas nos respectivos regimentos internos representa, na verdade, a ausência de vontade do legislativo de arcar com este ônus de justificar suas proposições e de comprometer-se com as melhores práticas legislativas e de governança, que assegurariam a transparência e participação no processo legislativo.

Importa recordar, no entanto, que o Supremo Tribunal Federal se manifestou no sentido de que questões relativas à interpretação de normas regimentais caracterizariam ato interna corporis e, portanto, imunes ao controle judicial, ressalvado o controle constitucional das normas regimentais das Casas Legislativas, desde que demonstrada ofensa direta ao texto constitucional.

Em recente apreciação, assentou o STF que “em respeito ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal, quando não caracterizado o desrespeito às normas constitucionais pertinentes ao processo legislativo, é defeso ao Poder Judiciário exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação do sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas, por se tratar de matéria interna corporis” (RE 1.297.884, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 03.08.2021).

Restaria, portanto, indagar se a ausência de previsão regimental de justificativa prévia ao encaminhamento das leis não representaria uma ofensa direta ao texto constitucional, em especial, à garantia do exercício da cidadania plena.

 

Motivação dos atos legislativos

No texto constitucional, consagrou-se a motivação, diretamente relacionada à transparência, para as decisões emanadas do Poder Judiciário. Segundo Mello (2005, p. 101), a motivação decorre dos princípios constitucionais constantes do art. 1º, II, que cuida da cidadania, e do art. 5º, XXXV, que trata da apreciação judicial: “É que o princípio da motivação é reclamado […] como afirmação do direito político dos cidadãos ao esclarecimento do ‘porquê’ das ações de quem gere negócios que lhes dizem respeito por serem titulares últimos do poder”.

Retratando a necessidade de modernização do nosso direito, em 2018, sobreveio a alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que introduziu dez novos artigos endereçados ao Direito Público, ganhando destaque a motivação do ato, a demonstração da necessidade e adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, tratando especificamente do dever de motivar do administrador, controlador e do juiz, com fundamentação clara e acessível das proposições.

A motivação é a enunciação dos motivos, ou seja, “circunstâncias de fato e os elementos de direito que provocam e precedem a edição de um ato administrativo” (MEDAUAR 2016, p. 172). Exige-se a explicitação dos motivos que determinaram a prática de um ato, como forma de limitar o arbítrio político, mesmo para os atos discricionários. A motivação deve ser clara e suficiente para possibilitar a ampla compreensão do ato, permitindo, consequentemente, sua sindicabilidade por meio do controle e fiscalização, acarretando “a redução da margem de interdição do debate legítimo” (MEERHOLZ 2019, p. 70).

Com efeito, somente com a devida motivação é possível a sindicabilidade dos atos pelo Poder Judiciário, tornando possível e efetiva a garantia consagrada no art. 5º XXXV, assim como o pleno exercício da cidadania (art. 1º, II da CF/88) e do controle social através do voto, conforme previsto no art. 14.

A exposição dos motivos, tal qual a motivação, vincula e possibilita controle, conforme elaborado pela teoria dos motivos determinantes. Como destaca Medauar (2016, p. 464), “como decorrência, veio a possibilidade do controle jurisdicional dos antecedentes de fato e das justificativas que levam à tomada da decisão em determinado sentido, ou seja, o controle do motivo”.

Certamente a motivação da proposição legislativa é medida essencial para o controle judicial e, em última análise, o controle social. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5.599, enfatizou que “deve o Poder Judiciário verificar se as razões apresentadas na exposição de motivos pelo Chefe do Poder Executivo são congruentes com a urgência e a relevância alegadas, sem adentrar ao juízo de fundo que o texto constitucional atribui ao Poder Legislativo”. Em seu voto, prossegue o Relator:

A forma de se realizar esse controle deve depender da motivação apresentada pelo Chefe do Poder Executivo. Como indica Clèmerson Merlin Clève, a motivação, embora não seja requisito constitucional expresso, facilita o controle da legitimidade e dos requisitos constitucionais autorizadores, seja pelo Legislativo, seja pelo Judiciário.

 

Procedimentos para a melhoria da legislação

A melhoria da qualidade legislativa não é uma preocupação só nossa. Considerando que as leis e regulamentos afetam diretamente o cotidiano de todos os cidadãos não apenas aqui, mas em todas as partes do mundo, esta é uma preocupação corrente e atual, de todos os países. No âmbito da Comunidade Europeia, a agenda para melhoria da legislação está na pauta do dia, fulcrada em três pilares, com especial destaque à legislação embasada em análises de impacto e evidências, na simplificação das leis, evitando-se ônus desnecessários, e, por fim, no envolvimento de cidadãos, empresários e todos os envolvidos no processo decisório.

Com base nos indicadores da OECD, a Comissão Europeia vem estudando as melhores práticas para estabelecer os melhores referenciais para o processo legislativo, de forma a considerar seu impacto em cada um dos diversos aspectos, inclusive o social, econômico, ecológico e meio ambiente.

Assim, reconhecendo a necessidade de imprimir maior transparência aos processos legislativos, recomenda-se que estes sejam baseados na análise de evidências, mediante a obrigatoriedade de realização de análises de impactos legislativos, como nova ferramenta para melhoria da qualidade das leis.

Destaca-se o recente estudo elaborado pela OECD para melhoria da qualidade da regulação, assim entendida em seu aspecto mais amplo, envolvendo não apenas órgãos do Poder Executivo, mas também do Poder Legislativo, ou seja, visando também à implementação de políticas legislativas melhores, como prática de boa governança. Neste estudo, são examinadas as boas práticas utilizadas em diversos países da União Europeia na preparação e implementação de procedimentos legislativos reconhecidos como boas práticas de governança.

Para atingir maior qualidade legislativa, a OECD recomenda a elaboração de “manuais” com instruções a serem seguidas pelos órgãos legislativos e regulamentares, que devem conter análises de impacto regulatório (AIR) realizadas antes e depois da regulação (ex post e ex ante), de sorte a garantir transparência, efetividade, legalidade e confiabilidade no processo de confecção das leis e regulamentos. Segundo a OECD, a boa legislação é aquela que é clara, precisa, prática, concisa, coerente, consistente com as outras legislações e baseada em evidências.

Para a OECD, uma boa legislação decorre do poder constitucional de legislar, diretamente relacionado aos princípios da legalidade, efetividade e inteligibilidade, devendo conferir segurança jurídica aos cidadãos.

 

Análise de Impacto Regulatório

No âmbito da regulação, encontramos já positivada, no direito brasileiro, a Análise de Impacto Regulatório (AIR), introduzida no art. 6º da Lei Geral das Agências Reguladoras, como instrumento que possibilita maior racionalidade à tomada de decisão administrativa, na medida em que contém informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo.

A adoção da AIR, no âmbito das agências reguladoras, foi um importante passo para a racionalização das decisões, e alinhamento às recomendações da OCDE, por tratar-se de “uma ferramenta fundamental para melhorar a qualidade do processo decisório governamental” e “uma maneira de identificar e avaliar os possíveis efeitos positivos e negativos que as regulações futuras possam ter sobre o meio ambiente, a sociedade e a economia em geral”, possibilitando a comparação das alternativas para enfrentar os problemas de políticas públicas, apontando a melhor opção, considerando o maior benefício para a população, de sorte que as decisões sejam baseadas em evidências, com maior transparência e possibilitando a prestação de contas.

Seguindo esta mesma linha, o legislador fez incluir na Lei de Liberdade Econômica, promulgada em 2021, a obrigatoriedade de utilização da AIR, no âmbito da administração pública federal, que deve conter informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo, para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.

Como definição oficial, no âmbito federal, sugere-se: “a partir da definição de um problema regulatório, a Análise de Impacto Regulatório (AIR) é o procedimento de avaliação prévia à edição dos atos normativos de interesse geral, que conterá informações e dados sobre os seus prováveis efeitos, para verificar a razoabilidade do impacto e subsidiar a tomada de decisão”.

 

Análise de Impacto Legislativo

No âmbito do processo legislativo, no entanto, como já se viu, ainda não encontramos previsão expressa de elaboração da Análise de Impacto Legislativo (AIL) no processo legislativo, que poderia embasar, com dados técnicos relevantes, a justificativa ou a exposição de motivos das proposições.

Tal como a análise de impacto regulatório, a AIL seria certamente um importante instrumento de avaliação preventiva dos efeitos da hipótese de intervenção normativa que venha a recair sobre a atividade dos cidadãos, empresas, grandes, médias e pequenas; sobre a administração pública, possibilitando a comparação entre as opções a serem escolhidas e definidas pelo legislativo.

No bojo da análise de impacto legislativo, seria possível explicitar com maior transparência e clareza os custos e impactos da nova lei tanto para administração, como para o cidadão, para as empresas, expor a metodologia de aferição, ou seja, os parâmetros de verificação da qualidade anterior (ex ante) e posterior (ex post) das leis.

A AIL possibilitaria o monitoramento e avaliação dos resultados das políticas públicas para promoção dos direitos fundamentais e, sobretudo, para a promoção dos direitos dos grupos menos favorecidos socialmente —, monitorar ou não os resultados das políticas públicas não pode ser uma opção livre a cargo dos agentes públicos encarregados dessas políticas. O monitoramento de uma política pública envolve muitas escolhas que exigem não apenas juízos técnicos, mas, muitas vezes, também políticos.

A instituição da AIL representaria uma medida importante de monitoramento da implementação das políticas públicas e seus resultados, uma atividade indispensável para informar a população acerca das políticas escolhidas, suas metas, custos e recursos investidos, e resultados ao longo do tempo, permitindo amplo debate público sobre elas.

Em uma democracia, a transparência, o acesso aos dados e informações do governo, a motivação e a possibilidade de participação social são indispensáveis para a promoção dos direitos e garantias da cidadania e consecução dos objetivos do Estado Democrático de Direito.

A implementação da análise de impacto legislativo é essencial para a melhoria da qualidade legislativa, e já vem sendo objeto de importante estudo no âmbito do Senado Federal, como “um instrumento útil para prover melhores leis e, consequentemente, fazer com que as ações governamentais sejam mais focadas nas necessidades da população.

 

Conclusões

No atual estágio democrático pós-pandêmico e em plena revolução digital, dúvidas não podem restar de que o processo de elaboração legislativo submete-se aos parâmetros constitucionais insculpidos na cláusula do devido processo legal, fazendo-se obrigatória, portanto, a observância dos princípios constitucionais da participação popular, da motivação, da publicidade, amalgamados no princípio da transparência.

A ausência de motivação, através da justificativa ou exposição de motivos, no momento do encaminhamento de proposições às Casas do Congresso Nacional, gera graves questionamentos acerca do efetivo atendimento das demandas e vontade popular, cabendo ao parlamentar se desincumbir do ônus argumentativo de apresentar suas razões, a fim de preservar a dignidade do cidadão de ser informado acerca do devido encaminhamento de suas demandas.

A adequação dos projetos de lei às diretrizes constitucionais de motivação, aliada aos novos instrumentos, como a análise de impacto legislativo (AIL), certamente contribuirão para melhoria do produto final entregue pelo Poder Legislativo brasileiro, garantindo maior transparência e participação no processo de elaboração legislativa, e seu efetivo controle, tanto judicial como popular, exercido através do voto. Isso conferirá maior legitimidade às leis produzidas no país, permitindo efetivamente atender “as demandas da população”, como vaticinado pelo Presidente da Câmara dos Deputados.

 

Fonte: Revista do ILP Nº 5, Ano IV, fevereiro / 2023 – https://www.al.sp.gov.br/repositorio/bibliotecaDigital/25050_arquivo.pdf