O livre-arbítrio, a escolha racional e o consequencialismo

No centro do debate contemporâneo sobre comportamento humano e decisões políticas estão duas perspectivas aparentemente opostas: o determinismo biológico e ambiental defendido por Robert Sapolsky em seu livro “Determinados: a Ciência da Vida sem Livre-Arbítrio” (Companhia das Letras) e a teoria da escolha racional, que enfatiza decisões conscientes e estratégicas dos indivíduos.
A teoria da escolha racional parte do princípio de que indivíduos agem racionalmente, avaliando alternativas para maximizar benefícios e minimizar custos. Desenvolvida inicialmente por economistas como Gary Becker e James Buchanan, foi posteriormente incorporada às ciências sociais por cientistas políticos como Anthony Downs e Mancur Olson. Essa abordagem sugere que as decisões resultam de cálculos estratégicos visando interesses pessoais ou coletivos.
Por outro lado, Sapolsky argumenta que as ações humanas são quase inteiramente determinadas por fatores genéticos e ambientais, rejeitando a noção tradicional de livre-arbítrio. Sob esse ponto de vista, decisões políticas, mesmo quando parecem estratégicas, seriam frutos inevitáveis de influências ambientais e genéticas. Assim, ações controversas de figuras como Donald Trump poderiam ser interpretadas mais como resultado dessas influências do que escolhas plenamente conscientes.
No entanto, a teoria da escolha racional sustenta que indivíduos tomam decisões após ponderações conscientes, visando objetivos políticos concretos como mobilização eleitoral ou proteção de interesses econômicos específicos. A controvérsia surge ao questionarmos o que efetivamente motiva as decisões políticas: seriam elas fundamentalmente predeterminadas, como sugere Sapolsky, ou ainda haveria espaço significativo para estratégias conscientes?
A ausência do livre-arbítrio proposta por Sapolsky também levanta questões interessantes no contexto judicial. Se magistrados não possuíssem livre-arbítrio pleno, suas decisões seriam influenciadas por fatores além da percepção consciente. Teóricos como Jerome Frank e Richard Posner já apontaram que crenças pessoais, histórico cultural e influências institucionais frequentemente desempenham um papel decisivo, muitas vezes inconsciente, no resultado das sentenças judiciais.
A tensão filosófica aqui é clara: aceitar o determinismo absoluto significaria relativizar conceitos fundamentais como responsabilidade individual e autonomia pessoal, pilares das democracias liberais. Uma possível solução intermediária seria reconhecer que fatores deterministas impõem limites e predisposições, dentro dos quais as decisões estratégicas e conscientes operam.
No âmbito judicial, o consequencialismo propõe que a legitimidade das decisões judiciais deve ser avaliada pelos seus efeitos práticos sobre a sociedade, rompendo com a lógica formalista tradicional. Entretanto, diante das teses deterministas de Sapolsky, surge o desafio de entender até que ponto magistrados podem efetivamente prever e controlar as consequências de suas decisões, considerando suas próprias limitações cognitivas e condicionantes neurobiológicos.
Ao considerar esse determinismo biológico, o sistema judiciário pode evoluir para uma prática menos punitiva e mais focada em prevenção e reabilitação, reconhecendo o controle limitado dos indivíduos sobre certas ações devido a fatores neurobiológicos involuntários. Isso resultaria em decisões fundamentadas numa compreensão científica do comportamento humano, reforçando a necessidade de integração das evidências neurocientíficas atualizadas à prática judicial.
Em síntese, compreender as decisões políticas e jurídicas implica reconhecer a coexistência entre determinismo biológico e escolhas estratégicas conscientes. Nesse cenário complexo, fatores ambientais e genéticos definem limites nos quais as escolhas racionais podem ocorrer, conciliando assim perspectivas aparentemente contraditórias de Sapolsky e dos teóricos da escolha racional.
Fonte: https://www.migalhas.com.br/coluna/notas-contemporaneas-com-murillo-de-aragao/427906/o-livre-arbitrio-a-escolha-racional-e-o-consequencialismo